quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Intimidade e Sexualidade


Nos dias de hoje, temas como a sexualidade, a intimidade, o toque, o corpo e o prazer são, felizmente, cada vez mais falados e cada vez menos tabu.
Existe uma cada vez maior atenção à sexualidade e à importância que tem nos  relacionamentos “modernos". Durante séculos e até milênios, o corpo da mulher pertenceu a toda a gente exceto a ela mesma. Foi usado como instrumento de pecado, politico, religioso e de procriação e nutrição mas, muito raramente foi encarado por mulheres e homens como corpo de prazer. Não para ser usado como instrumento de prazer alheio mas para ser disfrutado e realizado pela mulher a quem pertence, com os parceiros que escolher.


Alguns progressos têm sido feitos no mundo ocidental em questões legislativas no sentido de devolver o corpo às mulheres e o seu direito à escolha do que quer fazer com ele. Infelizmente estas questões estão tão profundamente enraizadas na cultura e mentalidade de todos nós que, a maioria das vezes, nem nos apercebemos que condicionam os nossos comportamentos relacionais com os outros ou connosco mesmos.

O tema da sexualidade foi, recentemente, introduzido nas escolas mas quando olhamos para os programas curriculares percebemos que se fala daquilo que os professores têm a coragem para falar. Fala-se sobre afetos, consentimento, métodos contracetivos, doenças sexualmente transmissíveis, entre outros temas. Mas sempre numa perspetiva de saúde publica. Nada mais é ensinado aos jovens. Nada mais é discutido. Não se fala sobre pornografia, sobre intimidade, sobre toque e cheiro, sobre como fazer amor é tão diferente do que nos chega, habitualmente, por filmes, revistas, colegas, publicidade e pornografia, sobre orgasmos, masturbação e formas saudáveis de aprendermos a educar o nosso corpo para o prazer.

Há alguns anos atrás, muito antes do boom da internet, essas aprendizagens eram feitas através dos pares, de revistas ou imagens com conteúdos mais ou menos eróticos ou pornográficos. Em ultima análise ia sendo aprendido com os parceiros sexuais que os jovens iam tendo. Não existia informação disponível, muito poucas pessoas estavam preparadas para falar sobre a sua sexualidade e, definitivamente, não era tema para ser conversado com os pais. Tanto porque a grande maioria dos pais não compreendia o conceito de uma sexualidade vivida a dois de forma plena, íntima, igualitária, prazerosa e saudável, como pela enorme dificuldade em comunicar sobre o assunto, fruto de séculos a vivenciar o prazer e a intimidade na sexualidade como pecado.

Historicamente, tudo na mulher é, tendencionalmente, visto pelo homem e, muitas vezes, pela própria mulher, como pecaminoso, inferior e menos capaz. Passámos séculos a negar a humanidade do prazer e do orgasmo e a cataloga-los como animalesco, vergonhoso e algo que nos afasta da elevação mental que, tanto gostamos de afirmar, nos separa dos restantes animais.

Na geração das nossas avós a sexualidade era, normalmente, encarada como um fardo, um encargo conjugal, uma necessidade do homem que elas tinham de satisfazer. Algumas com dor e desconforto, outras com indiferença e muito poucas com prazer e satisfação. Com o direito ao voto e à perspetiva da mulher como “semelhante" ao homem, foi uma questão de tempo até surgir, em meados dos anos 60, a revolução ou libertação sexual.  Podendo exprimir-se mais livremente e com informação cada vez mais acessível, mais mulheres e homens começaram a perceber que a sexualidade podia ser uma dança a dois.
Com a liberdade crescente, com o surgimento da pornografia cada vez mais acessível na internet e com a  cada vez mais generalizada utilização dos meios digitais como forma de comunicação, temos assistido nos últimos anos a, estranhamente, um retrocesso na vivência da intimidade saudável na sexualidade.

Existe, atualmente uma cada vez maior atenção por parte dos governos à liberdade de acesso à internet pelos jovens. Mas continua centrada em temas de saúde publica gerais. Reconhecem-se os perigos crescentes do acesso não controlado mas quase ninguém fala sobre a introdução precoce da pornografia nos jovens de 10 a 15 anos, através de um clique na internet.

Há cada vez mais dados sobre o aumento de jovens e adultos com comportamentos compulsivos em relação à pornografia e  sobre os seus efeitos a médio e longo prazo. Há indícios que a visualização habitual provoca alterações químicas e estruturais no cérebro, para além das implicações que tem na aprendizagem da sexualidade e do potencial de prazer consigo mesmo ou com parceiros(as). Neste tipo de situações não existem parceiros que possam competir com o prazer retirado artificialmente dos estímulos visuais, associados à masturbação.

O que se sabe de forma empírica é que os jovens e menos jovens, mesmo que não adquirem comportamentos compulsivos, sentem uma pressão enorme para terem níveis de performance sexual semelhantes aos que observam nos filmes pornográficos. É através deles que estão a fazer a sua aprendizagem.  Sem que ninguém os alerte que os filmes de pornografia são como qualquer outro filme…. Ficção! Rapazes e raparigas, homens e mulheres sentem essa pressão. A pressão de terem de ter orgasmos, de terem de variar uma enorme quantidade de posições sexuais num único encontro, de fazerem e reagirem tal e qual como o que vêm na pornografia. Esquecendo o mais importante, a intimidade.

Ninguém os alertou ou lhes explicou que o que viam durante os anos de construção da sua sexualidade e dos seus circuitos neurológicos de recompensa e prazer, era mentira. Os pares não sabem, os pais, provavelmente, também não, os professores não têm essa obrigação. E assim se cria um limbo. Um limbo onde alguns homens não fazem a mais pequena ideia do que dá realmente prazer às mulheres que escolhem, enquanto aprendem a explorar o seu corpo com estímulos artificiais visuais onde a mulher é usada, dobrada, violentada e aparenta ter prazer com isso. Isto ao mesmo tempo que aprende que o “normal" é manter uma ereção imaculada durante  o tempo de duração do estimulo. Paralelamente, um número crescente de mulheres não sabe como aprender a retirar prazer da exploração do seu corpo. Não sabe como comunicar que não se sente confortável com algumas das experiencias que tem tido, podendo ser levada a acreditar que existe algo de errado consigo por não retirar prazer de determinadas práticas sexuais ou, ainda pior, que essas são as únicas formas de dar prazer ao parceiro. Estamos convencidas de que é isso que o homem quer.

Esquecemo-nos do toque pelo caminho. Não aprendemos que é através dele, e não da penetração, que o prazer é descoberto. Esquecemo-nos da confiança, da cumplicidade, do carinho e da intimidade. Esquecemo-nos ou nunca aprendemos que a sexualidade deve ser um sitio seguro, tranquilo e quente, de aprendizagem e exploração, onde a intimidade é rainha.

Confundimos intimidade com estarmos apaixonados. Pensamos que intimidade é algo pessoal e intocável, exclusiva para os nossos companheiros(as), para os filhos, para os nossos pais, para alguns amigos mais chegados. Também é. Mas não é apenas isso.
Pelas palavras de Abraham Passini a intimidade é a capacidade de nos perdemos na pele do outro, sem perdermos a nossa própria pele.
Numa interpretação pessoal, a intimidade é a capacidade de estarmos presentes para o outro. De estarmos atentos, de quase sentirmos o que o outro sente através da posição do seu corpo, das expressões faciais, da verbalização e das variações da voz. É aprender a sentir o outro como um todo, como um ser humano que sente, coberto de pele, repleto de terminações nervosas desejosas de serem estimuladas. É termos prazer com o prazer e bem estar do outro.

Uma das questões colocadas por esta definição é quase traiçoeira. Quantos de nós nos conhecemos assim? Quantos de nós “perdem" tempo a aprender a criar intimidade consigo mesmos? Sabemos mesmo qual é a nossa pele para não a perdermos?

É fácil e confortável pensar que o outro não nos sabe dar prazer. Mas, sabemos dá-lo a nós mesmos com esse profundidade? Sabemos estar assim connosco?

A sociedade ocidental é virada para fora, para a rapidez de estímulos, para as coisas novas e para tendências passageiras. É virada para uma insatisfação que é aliviada com o ter, com a compra, com a aquisição. Naturalmente que após alguns anos deste ritmo, cada vez mais pessoas se virem para movimentos slow. Slow food, slow life. A ideia é distanciar-nos de ritmos alucinantes e superficiais, respirar fundo e experimentar comer, viver, ler, sentir e estar mais devagar. É respirar e fazer uma pausa da alucinação em que nos movemos.

A intimidade na sexualidade é também isto. É afastarmo-nos de estímulos artificiais, tocar mais devagar, beijar mais devagar, abraçar mais longamente, com o corpo todo, utilizar a capacidade plástica de novas ligações no nosso cérebro para aprendermos até onde pode ir a nossa capacidade de receber e dar prazer, de forma saudável, amorosa, tranquila, sem culpa e em segurança. É um lugar onde expectativas e desumanização não têm espaço para existir.

É, em última análise, uma dança onde todos os envolvidos ditam as regras e ritmo da música e dos passos, onde cada momento é disfrutado e apreciado pela sua diferença, pelo seu potencial. É um lugar onde não precisamos de ter medo de sermos inteiros.

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